Este texto tem como objetivo
indicar caminhos que se podem trilhar no combate à corrupção. Ele é resultado
da experiência bem sucedida da comunidade paulista de Ribeirão Bonito, da qual
os autores participaram.
O testemunho sistemático de
operações e atos suspeitos por parte de autoridades de Ribeirão Bonito,
encabeçadas pelo então prefeito, levaram a organização não governamental Amigos
Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) a liderar um movimento para o monitoramento,
a cobrança e a contestação de atos das autoridades municipais, buscando para
isso o apoio da comunidade.
Como resultado, o prefeito da
cidade renunciou para não ser cassado, e hoje responde a diversos processos
judiciais.
No curso do trajeto, os autores
acumularam conhecimentos a respeito dos mecanismos empregados em fraudes
municipais e dos instrumentos que se podem empregar para combatê-las.
A percepção pública é de que
casos como o de Ribeirão Bonito não constituem exceção no Brasil. O acompanhamento
e supervisão permanentes da conduta dos administradores públicos é uma forma
essencial de controlar a corrupção. Para isso, é necessário informação.
O exercício da cidadania
pressupõe indivíduos que participem da vida comum. Organizados para alcançar o
desenvolvimento do local onde vivem, devem exigir comportamento ético dos
poderes constituídos e eficiência nos serviços públicos. Um dos direitos mais
importantes do cidadão é o de não ser vítima da corrupção.
De qualquer modo que se
apresente, a corrupção é um dos grandes males que afetam o poder público,
principalmente o municipal. E também pode ser apontada como uma das causas
decisivas da pobreza das cidades e do país.
A corrupção corrói a dignidade do
cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os
serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras. O desvio
de recursos públicos não só prejudica os serviços urbanos, como leva ao
abandono obras indispensáveis às cidades e ao país. Ao mesmo tempo, atrai a
ganância e estimula a formação de quadrilhas que podem evoluir para o crime
organizado e o tráfico de drogas e armas. Um tipo de delito atrai o outro, e
quase sempre estão associados. Além disso, investidores sérios afastam-se de
cidades e regiões onde vigoram práticas de corrupção e descontrole
administrativo.
Os efeitos da corrupção são
perceptíveis na carência de verbas para obras públicas e para a manutenção dos
serviços da cidade, o que dificulta a circulação de recursos e a geração de
empregos e riquezas. Os corruptos drenam os recursos da comunidade, uma vez que
tendem a aplicar o grosso do dinheiro desviado longe dos locais dos delitos
para se esconderem da fiscalização da Justiça e dos olhos da população.
A corrupção afeta a qualidade da
educação e da assistência aos estudantes, pois os desvios subtraem recursos da
merenda e do material escolar, desmotivam os professores, prejudicam o
desenvolvimento intelectual e cultural das crianças e as condenam a uma vida
com menos perspectivas de futuro.
A corrupção também subtrai verbas
da saúde, comprometendo diretamente o bem-estar dos cidadãos. Impede as pessoas
de ter acesso ao tratamento de doenças que poderiam ser facilmente curadas,
encurtando as suas vidas.
O desvio de recursos públicos
condena a nação ao subdesenvolvimento econômico crônico.
Por isso, o combate à
desonestidade nas administrações públicas deve estar constantemente na pauta
das pessoas que se preocupam com o desenvolvimento social e sonham com um país
melhor para seus filhos e netos. Os que compartilham da corrupção, ativa ou
passivamente, e os que dela tiram algum tipo de proveito, devem ser
responsabilizados. Não só em termos civis e criminais, mas também eticamente,
pois os que a praticam de uma forma ou de outra fazem com que seja aceita como
fato natural no dia-a-dia da vida pública e admitida como algo normal no
cotidiano da sociedade.
É inaceitável que a corrupção
possa ter espaço na cultura nacional. O combate às numerosas modalidades de
desvio de recursos públicos deve, portanto, constituir-se em compromisso de
todos os cidadãos e grupos organizados que queiram construir uma sociedade
justa e solidária.
Em ambiente em que a corrupção
predomine dificilmente prospera um projeto para beneficiar os cidadãos, pois
suas ações se perdem e se diluem na desesperança. De nada adianta uma sociedade
organizada ajudar na canalização de esforços e recursos para projetos sociais,
culturais ou de desenvolvimento de uma cidade, se as autoridades municipais,
responsáveis por esses projetos, se dedicam ao desvio do dinheiro público.
O padrão típico de corrupção
O padrão de corrupção
identificado em Ribeirão Bonito é típico de muitas cidades do Brasil. Em vez de
procurar cumprir suas promessas eleitorais em benefício da população, os
eleitos usam essas mesmas promessas para empregar amigos e parentes, para
favorecer aqueles que colaboraram com suas campanhas ou para privilegiar alguns
comerciantes “amigos” em detrimento de outros. Grande parte do orçamento do
município é orientado em proveito do restrito grupo que assume o poder
municipal e se beneficia dessa situação.
Uma estratégia utilizada
habitualmente em desvios de recursos públicos se dá por meio de notas fiscais
fictícias ou “frias”, que são aquelas nas quais os serviços declarados não são
prestados ou os produtos discriminados não são entregues.
A burla pode ser feita com as
chamadas empresas-fantasmas, ou seja, que inexistem física ou juridicamente. Para
isso, foi criado um comércio fluente de venda de “notas frias” desse tipo de
empresa. Há pessoas especializadas em negociá-las.
Mas a fraude também utiliza
empresas legalmente constituídas e com funcionamento normal. Com o conluio dos
administradores públicos cúmplices do “esquema”, tais empresas vendem ao
município produtos e serviços superfaturados, ou recebem contra a apresentação
de notas que discriminam serviços não executados e produtos não entregues.
Tais fornecedoras ou prestadoras
de serviço agem mediante acordo pré-estabelecido com o prefeito e/ou seus
assessores. As empresas emitem notas fiscais e a prefeitura segue todos os
trâmites administrativos de uma compra normal. Quando necessário uma licitação,
monta todo o procedimento de forma a dirigir o certame para uma empresa
“amiga”, dificultando ou impedindo a participação de outras. Depois, dá recibo
de entrada da mercadoria, empenha a despesa, emite o cheque e faz o pagamento.
Posteriormente, o montante é dividido entre o fornecedor e os membros da
administração comprometidos com o esquema de corrupção.
Em geral, os recursos obtidos
dessa maneira chegam ao prefeito e aos que participam do esquema na forma de
dinheiro vivo, a fim de não se deixarem vestígios da falcatrua. Os corruptos
evitam que tais recursos transitem pelas suas contas bancárias, pois seriam
facilmente rastreados por meio de uma eventual quebra de sigilo bancário.
As quadrilhas que se formam para
dilapidar o patrimônio público têm se especializado e vêm sofisticando seus
estratagemas. O modo de proceder varia: apoderam-se de pequenas quantias de
forma continuada ou então, quando o esquema de corrupção está consolidado, de
quantias significativas sem nenhuma parcimônia.
Uma forma de fraudar a prefeitura
é por meio de notas superfaturadas. Para serviço que foi realmente prestado e
teria um determinado custo, registra-se na nota fiscal um valor maior. Nas
licitações, o processo de superfaturamento se dá com cotações de preços dos
produtos em valores muito superiores aos de mercado. Nos dois casos, a
diferença entre o preço real o valor superfaturado é dividida entre os
fraudadores.
Notas preenchidas com uma
quantidade de produtos muito superior àquela realmente entregue é outra maneira
de fraudar a prefeitura. Nessa modalidade, os valores cobrados a mais e que
constam da nota emitida são divididos entre os “sócios”. Diferentemente do
superfaturamento de preços, que exige uma combinação entre fornecedores, o
superfaturamento de quantidades só depende do conluio de um fornecedor com o
pessoal da prefeitura que atesta o recebimento.
Esses tipos de fraude requerem,
invariavelmente, a conivência de funcionários da prefeitura - o responsável
pelo almoxarifado deve sempre dar quitação do serviço realizado ou da
mercadoria entregue e a área contábil tem de empenhar a despesa e pagar as
notas, emitindo o cheque correspondente. Quando se trata de serviços técnicos,
como por exemplo os de eletricidade, construção civil e hidráulica, a execução
deve ser certificada por funcionários capacitados, normalmente um engenheiro ou
técnico. Assim, quando há irregularidade, todos são coniventes, mesmo que por
omissão. É praticamente impossível para o prefeito fraudar a prefeitura
sozinho.
Quando há necessidade de licitação,
mesmo nas formas mais simples de tomada de preços e convite, a comissão de
licitações da prefeitura é obrigada a habilitar as empresas. Segundo a lei n°
8.666/93, estas devem estar “devidamente cadastradas na prefeitura ou atenderem
todas as condições exigidas para cadastramento”. Para se cadastrarem, há uma
série de pré-requisitos que as empresas devem preencher e documentos que
precisam apresentar. Dessa forma, no caso de empresas-fantasmas, é impossível
que saiam vencedoras de uma licitação sem a participação ou conivência da
comissão de licitações. E é muito fácil verificar se uma empresa existe ou não.
Por isso, não há justificativa para que essas empresas-fantasmas sejam
habilitadas a participar de concorrências.
Existem quadrilhas especializadas
em fraudar prefeituras com a participação do poder público municipal. Esses
grupos e seus especialistas são formados localmente, ou trazidos de fora, já
com experiência em gestão fraudulenta. O objetivo é implantar ou administrar
procedimentos ilícitos, montar concorrências viciadas e acobertar ilegalidades.
O método mais usual consiste em
forjar a participação de três concorrentes, usando documentos falsos de
empresas legalmente constituídas. Outra maneira é incluir na licitação, apenas
formalmente, algumas empresas que apresentam preços superiores, combinados de
antemão, para que uma delas saia vencedora.
As quadrilhas têm aperfeiçoado as
suas formas de atuar. Por isso, é preciso que os controles por parte da
sociedade também se aprimorem. Como foi observado no caso de Ribeirão Bonito, o
Tribunal de Contas do Estado tende a verificar somente os aspectos formais das
despesas. O órgão fiscalizador não entra no mérito se a nota fiscal
contabilizada é “fria” ou não, se a empresa é “fantasma” ou não, se o valor é
compatível com o serviço ou não e se o procedimento licitatório foi montado e
conduzido adequadamente ou não. O Tribunal só examina tais questões quando
estimulado especificamente. Contudo, mesmo que os aspectos formais examinados
sejam irrelevantes diante da grosseira falsificação de documentos verificada em
muitas prefeituras do país, os Tribunais de Contas insistem em manter seus
procedimentos.
Como, na maioria das vezes, os
aspectos formais são observados cuidadosamente pelos fraudadores, o Tribunal,
ao aprovar as contas do Município, acaba por passar atestado de idoneidade a um
grande número de corruptos e exime publicamente de culpa quem desvia dinheiro
público no país. Na forma como atua hoje, os Tribunais de Contas beneficiam
indiretamente os corruptos.
Um sinal que pode indicar ato
criminoso é o que acontece com o fornecimento de alimentos para a merenda das
escolas em algumas regiões do país. Muitas vezes, os produtos que chegam não
seguem nenhuma programação e muito menos qualquer lógica nutricional. Nem as
merendeiras sabem, em alguns casos, o que será servido aos alunos. A escolha
dos produtos que serão entregues às escolas é, na realidade, feita pelos
fornecedores, e não pelos funcionários.
Sinais de irregularidades na
administração municipal
Apesar de não determinarem
necessariamente a presença de corrupção, a presença de alguns fatores deve
estimular uma atenção especial. Entre eles estão:
histórico comprometedor da
autoridade eleita e de seus auxiliares;
falta de transparência nos atos administrativos
do governante;
ausência de controles
administrativos e financeiros;
subserviência do Legislativo e
dos Conselhos municipais;
baixo nível de capacitação
técnica dos colaboradores e ausência de treinamento de funcionários públicos;
alheamento da comunidade quanto
ao processo orçamentário.
Algumas atitudes tomadas pelas
administrações e certos comportamentos das autoridades municipais se
autodenunciam como fatores com muita chance de se relacionar à corrupção. Esses
comportamentos são facilmente detectados, não demandando investigações mais
profundas. Basta apenas uma observação mais atenta. A simples observação é um
meio eficaz de detectar indícios típicos da existência de fraude na
administração pública.
Sinais exteriores de riqueza
Sinais exteriores de riqueza são
as evidências mais fáceis de serem percebidas e as que deixam mais claro que
algo de errado ocorre na administração pública. São perceptíveis quando o grupo
de amigos e parentes das autoridades municipais exibe bens caros, adquiridos de
uma hora para a outra, como carros e imóveis. E também na ostentação por meio
de gastos pessoais incompatíveis com suas rendas. Alguns passam a ter uma vida
social intensa, freqüentando locais de lazer que antes não freqüentavam, como
bares e restaurantes, onde realizam grandes despesas.
Os corruptos assumem feições
diversas. Há o do tipo grosseiro e despudorado, que se compraz em fazer
demonstrações ostensivas de poder e riqueza, exibindo publicamente acesso a
recursos extravagantes. Geralmente, não se preocupa em ser discreto, pois
necessita alardear o seu sucesso econômico e sua nova condição, mesmo quando os
que estão à sua volta possam perceber que o dinheiro exibido não tem
procedência legítima. Com esse tipo de corrupto, a apropriação de recursos públicos
é associada a um desejo incontrolável de ascender socialmente e de exibir essa
ascensão. Como não encontra maneiras de enriquecer honestamente, recorre a atos
ilícitos.
Já o fraudador discreto tem
formas de agir que tornam mais difícil a descoberta do ilícito. O dinheiro é
subtraído aos poucos e em quantias pequenas, por meio de esquemas bem
articulados com os fornecedores. O resultado dos golpes é aplicado longe do
domicílio. Em geral, utilizando-se de “laranjas” (pessoas que, voluntária ou
involuntariamente, emprestam suas identidades para encobrir os autores das
fraudes), adquirem bens móveis ou semoventes: dólar, ouro, papéis do mercado de
capitais, gado, commodities etc.
Entretanto, mesmo quando a
corrupção é bem planejada, deixa vestígios.
Às vezes, os que se sentem
traídos na partilha acabam por denunciar o esquema. Além disso, a necessidade
de manter os atos ilegais ocultos torna difícil para o próprio corrupto, e até
mesmo para os seus familiares, usufruírem da riqueza. Quando essa situação não
gera um conflito entre os participantes da quadrilha, os comparsas acabam por
ficar com a maior parte dos bens adquiridos.
Independente dos tipos de
corrupção praticados, os cidadãos que desejem um governo eficiente e
transparente devem ficar atentos aos seus sinais. Um administrador sério e bem
intencionado escolhe como assessores pessoas representativas e que tenham boa
reputação e capacidade administrativa. Deve-se desconfiar de grupos fechados
que gravitam em torno do poder. A nomeação de parentes de autoridades
(prefeito, secretários, vereadores etc.) é também indício de corrupção.
Resistência das autoridades a
prestar contas
Corruptos opõem-se veementemente
a qualquer forma de transparência. Evitam que a Câmara Municipal fiscalize os
gastos da prefeitura e buscam comprometer os vereadores com esquemas
fraudulentos. Ao mesmo tempo, não admitem que dados contábeis e outras informações
da administração pública sejam entregues a organizações independentes e aos
cidadãos, nem que estes tenham acesso ao que se passa no Executivo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal
impõe um princípio altamente salutar ao equilíbrio financeiro das prefeituras:
não se pode gastar mais do que se arrecada. Também por defender a transparência
absoluta das contas públicas, essa lei se tornou um entrave à corrupção. Mesmo
assim, em governos em que se praticam atos ilegais na administração, existe uma
grande resistência à liberação de informações sobre os gastos públicos.
Qualquer cidadão tem o direito de
saber, e os políticos têm o dever de demonstrar, como o dinheiro público está
sendo empregado. Para que isso se transforme em prática usual, é necessário que
os municípios brasileiros aperfeiçoem suas leis orgânicas, para tornar mais
transparentes as ações das administrações municipais. As organizações
instituídas na cidade têm um papel fundamental nisso, pois, quando bem
estruturadas e com enraizamento na sociedade, têm a capacidade de mobilizar as
pessoas.
Falta crônica de verba para os
serviços básicos
Os orçamentos das prefeituras
são, normalmente, previstos para custear os serviços básicos da cidade, como
manutenção e limpeza das ruas e praças, coleta de lixo e provimento de água e
de esgoto. Também prevê verbas para os serviços sociais, educação, saúde e
obras públicas.
A negligência em relação a esses
serviços básicos, observada pelo aspecto de abandono que as cidades adquirem,
pode ser um indício não só de incompetência administrativa, como de desvio de
recursos públicos. Esses sinais ficam mais claros quando se constata que a
prefeitura mantém um quadro de funcionários em número muito maior do que o
necessário para a realização dos serviços.
Parentes e amigos aprovados em
concursos
Eventualmente, concursos públicos
podem ser abertos pelas autoridades recém-empossadas para pagar promessas de
campanha e dar empregos para correligionários, amigos e parentes. Isso acontece
mesmo quando a prefeitura se encontra em situação de déficit orçamentário e
impedida de contratar funcionários por força da Lei de Responsabilidade Fiscal,
que impede a administração pública de gastar mais do que arrecada e impõe à
folha salarial um limite de 60% dos gastos totais.
Esses concursos públicos
arranjados normalmente incluem provas com avaliações subjetivas, que permitem à
banca examinadora habilitar os candidatos segundo os interesses das autoridades
municipais. Uma das artimanhas é incluir uma “entrevista” classificatória,
realizada com critérios que retiram a objetividade da escolha. Concursos com
essas características têm sido anulados, quando examinados pelo Judiciário,
pois há uma reiterada jurisprudência determinada pelos tribunais sobre o
assunto, inclusive por parte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Falta de publicidade dos
pagamentos efetuados
Normalmente, a Lei Orgânica do
Município obriga o prefeito a afixar diariamente na sede da prefeitura o
movimento de caixa do dia anterior (o chamado boletim de caixa), no qual devem
estar discriminados todos os pagamentos efetuados. A mesma lei exige também
que, mensalmente, seja tornado público o balancete resumido com as receitas e
despesas do município. A ausência desses procedimentos faz com que os cidadãos
fiquem impedidos de acompanhar e verificar a movimentação financeira da
municipalidade, e assim pode ser indicação de acobertamento de fatos ilícitos.
Comunicação por meio de códigos
sobre transferências de verbas orçamentárias
Quando aprovado pela Câmara
Municipal, o orçamento deve ser rigorosamente cumprido. As alterações
posteriores devem ser novamente submetidas ao Legislativo local e tornadas
públicas, para que as razões do remanejamento possam ser entendidas pelos
cidadãos. Alguns prefeitos burlam essas determinações, publicando de forma
ininteligível as transferências de verbas do orçamento. Por meio de códigos,
procuram esconder quais contas estão sendo manipuladas e quais os elementos
orçamentários remanejados. Esse esquema dificulta a fiscalização dos gastos públicos.
Perseguição a vereadores que
pedem explicações sobre gastos públicos
Há, por outro lado, vereadores
honestos e incorruptíveis que exercem seus mandatos com dignidade e
responsabilidade. Esses, em geral, são marginalizados ou perseguidos pelo
esquema de um prefeito corrupto, o qual se utiliza de qualquer motivo para
dificultar a atuação desses vereadores, ou mesmo, para afastá-los da Câmara
Municipal. No cumprimento de suas funções, os vereadores que se baseiam na
ética encontram obstáculos ao seu desempenho, pois normalmente não são
atendidos pelas autoridades municipais em seus pedidos de informações,
principalmente os relacionados a despesas públicas.
Os bastidores das fraudes
A engenharia do desvio de
recursos públicos cria instrumentos para dar à corrupção aspectos de
legitimidade. Criaram-se métodos mais ou menos padronizados e utilizados com
uma certa regularidade nas prefeituras dirigidas por administradores corruptos.
No cotidiano da administração, mesmo um olhar externo mais atento pode ter dificuldade
em perceber irregularidades contidas em coisas aparentemente banais, como o
preenchimento de uma nota fiscal ou um pagamento em cheque da prefeitura.
No entanto, a investigação mais
aprofundada pode revelar como funciona, nos bastidores, o esquema desonesto.
Empresas constituídas às vésperas
do início de um novo mandato
Nos períodos próximos à mudança
de governo nas prefeituras, as quadrilhas começam a agir no sentido de
implantar os sistemas de corrupção nas administrações futuras. Assim que o prefeito
eleito é conhecido, os fraudadores dão início à montagem dos esquemas que serão
introduzidos após a posse. Uma das primeiras e mais comuns providências é a
criação de empresas, ou de empresas-fantasmas que passarão a fornecer para a
prefeitura.
Para descobrir se alguma firma
foi constituída com esse intuito, deve-se fazer um pesquisa na Junta Comercial,
levantando os protocolos e as datas de criação dessas empresas. É preciso estar
atento para a possibilidade de os sócios serem meros “laranjas”, que
emprestaram seus nomes para servirem de testas-de-ferro no esquema de
corrupção. Os grupos de fraudadores costumam também manter um estoque de
empresas “fantasmas” prontas para serem utilizadas.
Nesses casos, o Tribunal de
Contas poderia exercer um importante papel. Ao detectar que uma empresa é
“fantasma”, esse órgão poderia checar se em outras prefeituras do mesmo estado
houve o recebimento de notas fiscais iguais. Com isso, se estaria criando um
mecanismo mais poderoso de combate à corrupção.
Licitações dirigidas
Um dos mecanismos mais comuns
para se devolverem “favores” acertados durante a campanha eleitoral, bem como
de canalizar recursos públicos para os bolsos dos cúmplices, é o direcionamento
de licitações públicas. Devido ao valor relativamente baixo das licitações que
se realizam nas prefeituras de porte pequeno, a modalidade mais comum de
licitação é a carta-convite. O administrador mal-intencionado dirige essas
licitações a fornecedores “amigos”, por meio da especificação de condições
impeditivas da livre concorrência, incluindo exigências que os demais
fornecedores em potencial não têm condições de atender.
Um indício da possibilidade de
problemas em licitações é a constância de compras junto aos mesmos
fornecedores, sem que haja um certo rodízio. Caso haja esse indício, vale uma
investigação mais atenta. Sendo comprovado que está havendo direcionamento de
compras a fornecedores privilegiados, o fato configura formação de quadrilha.
Outro mecanismo, às vezes
empregado, é realizar compras junto a empresas de outras localidades, tornando
mais difícil aos integrantes da comunidade avaliar a sua reputação e
idoneidade.
Fraudes em licitações
Um dos sistemas utilizados para
justificar a aquisição fraudulenta de materiais e serviços é a montagem de
concorrências públicas fictícias. Mesmo que haja vício na escolha, ou seja,
mesmo que o prefeito corrupto já saiba antes do processo qual firma vencerá a
concorrência, é preciso dar ares legais à disputa. A simulação começa pela
nomeação de uma comissão de licitação formada por funcionários envolvidos no
esquema. Depois, a comissão monta o processo de licitação, no qual condições
restritivas são definidas. Não raro, participam do certame empresas acertadas
com o esquema, que apresentam propostas de antemão perdedoras, apenas para dar
aparência de legitimidade ao processo.
Na investigação sobre possíveis
embustes em licitações, uma importante pista pode estar nos termos empregados e
mesmo nos caracteres gráficos das propostas entregues pelas empresas. Muitas
prefeituras ainda se utilizam de formulários que precisam ser preenchidos a
máquina. Um exame minucioso permite constatar se uma mesma máquina de
datilografia foi usada no preenchimento de propostas apresentadas por
diferentes participantes do processo. O exame estilístico dos textos, em busca
de termos, frases e parágrafos que se repetem em diferentes propostas, também
fornece indícios.
Se na lista de participantes de
licitações aparecem os nomes de firmas idôneas ou conhecidas, é essencial que,
por meio de um contato direto, se confirme a sua participação no processo. Isso
porque alguns empresários se surpreenderam ao serem informados de que haviam
tomado parte em concorrências sobre as quais não tinham conhecimento. Suas
empresas foram incluídas pelos fraudadores, que, para isso, empregaram
documentos falsificados. Essa operação de inserir empresas com boa reputação
tem o objetivo de “branquear” o processo licitatório.
Fornecedores “profissionais” de
notas fiscais “frias”
Uma pequena história ocorrida no
aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e testemunhada por um dos autores desta
cartilha, ilustra bem o que vem a ser a indústria de notas fiscais “frias”.
Perguntado sobre sua atividades, um conhecido falsário do interior do Estado de
São Paulo, sem o menor constrangimento, respondeu : “Eu agora estou no ramo de
fornecimento de notas fiscais 'frias'. De agulha a avião, forneço nota de qualquer
coisa, a um custo muito competitivo de 4% sobre o valor da nota.”
Freqüentemente, como no caso de
Ribeirão Bonito, notas de empresas diferentes, mas evidentemente impressas com
o mesmo layout e características e defeitos gráficos, aparecem na contabilidade
de diversas prefeituras de uma região, indicando a existência de quadrilhas
especializadas nessa modalidade de fraude.
Indícios de fraude no uso de
notas fiscais de fornecimentos
O levantamento da documentação
relativa às despesas realizadas pela prefeitura pode revelar muitos indícios de
desvio de dinheiro público. De posse de notas fiscais relativas aos pagamentos
efetuados, é importante a verificação de alguns detalhes, como os seguintes:
Notas fiscais com valores
redondos ou próximos do valor de R$ 8 mil
A prefeitura pode adquirir bens e
serviços por meio do procedimento de carta-convite, quando se trata de gastos
de até R$ 80 mil reais ao ano. A partir desse valor, é obrigatória a abertura
de licitação em uma modalidade mais complexa e exigente, a tomada de preços.
Porém, serviços e compras (desde que não sejam para obras e serviços de
engenharia) com valor de até 10% do limite de R$ 80 mil, isto é, R$ 8 mil,
estão desobrigados de licitação (desde que essa quantia não se refira a
parcelas de um mesmo serviço ou compra de maior vulto) e podem ser realizados
de uma só vez.
Há indícios de atos ilegais
quando se verifica que há muitas notas fiscais próximas do limite de R$ 8 mil.
Isso pode significar que, para maximizar a subtração de recursos, os autores
procurem emitir notas com valores próximos do limite.
Notas do mesmo valor ou de
valores próximos, e que se repetem todos os meses, podem representar um ardil
para partilhar os frutos da fraude: a quantia de uma nota vai para o
fornecedor, e o valor de outra é destinado ao administrador corrupto.
Também acontece que compras de
grandes volumes do mesmo produto sejam subdivididas em notas fiscais inferiores
a R$ 8 mil para escapar às exigências de um processo de licitação mais complexo
- o que é proibido pela Lei de Licitações e Contratos.
Notas fiscais de fornecedores
distantes e desconhecidos para materiais e serviços que poderiam ser adquiridos
na localidade.
Em uma localidade pequena, a
aquisição, em localidades fora do município, de bens de uso cotidiano (como
gasolina, óleo diesel, material elétrico, alimentos para merenda escolar) para
os quais haja fornecedores locais, é uma indicação de irregularidades.
Notas fiscais
sequenciais, indicando que a empresa só fornece para a prefeitura.
Quando uma empresa tem a
prefeitura como seu único cliente, existe possibilidade de que tenha sido
montada ou preparada para esse fim. Isso, por sua vez, deve levantar suspeitas.
Mas não é muito fácil descobrir esse tipo de falcatrua, pois às vezes os falsários
simulam vendas e forjam notas fiscais para outras empresas e/ou órgãos só para
disfarçar a seqüencialidade das notas.
Contando com a atuação do
promotor público da comarca, é preciso obter o talão de notas da empresa e
verificar se os outros clientes constantes no talonário realmente existem e se
de fato fizeram as aquisições registradas.
Os fraudadores podem utilizar
certos estratagemas para evitar que as notas caiam nas mãos da Justiça. Houve,
por exemplo, o caso de um empresário que forjou um incêndio no qual as notas
fiscais teriam sido destruídas. Com isso, o boletim de ocorrência do “acidente”
foi utilizado para justificar o desaparecimento de eventuais provas. Simular
roubos e registrar boletins de ocorrência policial é artifício muito utilizado
por empresários desonestos.
Notas fiscais com visual simples,
quase todas com a mesma diagramação
Também é motivo de suspeita a
presença de notas fiscais padronizadas, com o mesmo layout, mas que pertencem a
várias empresas diferentes. Há uma grande probabilidade de que talonários muito
semelhantes tenham sido impressos no mesmo local. Isso é fácil de verificar,
pois o nome da gráfica que imprimiu o talonário deve, obrigatoriamente, constar
do rodapé das notas fiscais. Também vale a pena verificar se a gráfica que
imprimiu os talões existe legalmente. Se a gráfica é fictícia, as notas
fiscais, obviamente, são ilegais.
Notas fiscais de prestação de
serviço preenchidas com informações vagas
Essa é uma maneira encontrada
pelos fraudadores para confundir a fiscalização e evitar que se comprove se
determinados serviços foram executados ou não. Geralmente, utilizam-se
expressões genéricas e vagas, como: “serviços de eletricidade prestados a ...”,
ou “manutenção feita no ...”, “serviços na praça principal” etc. Esse tipo de
prática não é aceitável, pois qualquer tipo de serviço deve ser discriminado na
nota, incluindo-se o que foi feito, o tempo despendido e o material aplicado.
Além disso, o funcionário da
prefeitura responsável pela fiscalização tem de atestar que o serviço foi
realmente realizado. É importante lembrar que quem atesta é co-responsável pela
legalidade do pagamento.
Falta de controle de estoque na
prefeitura Uma artimanha muito utilizada é
simular desorganização para justificar ou encobrir desvios. Assim, os
almoxarifados não registram entradas e saídas dos produtos adquiridos. Na mesma
linha, faltam registros das requisições feitas pelos diversos setores e não há
identificação dos responsáveis pelos pedidos. A falta de um controle rígido do
estoque, de forma a impossibilitar a apuração do movimento de materiais de
consumo nos depósitos das prefeituras, é traço de fraude.
Consumo de combustível, merenda
escolar, cabos elétricos, tubulações etc.
A falta de qualidade da merenda
escolar e o seu consumo desproporcional ao número de alunos, a utilização de
cabos, tubulações e outros materiais de construção de forma incompatível com a
dimensão e a propriedade de seu emprego, além de gastos com combustível em
quantidade muito superior ao necessário à frota constituem práticas de desvio
de recursos muito usuais em certas prefeituras.
No consumo de gasolina, diesel e
álcool pela frota da prefeitura encontra-se uma das formas mais comuns de
fraude contra os recursos públicos. Acontece, principalmente, quando não existe
um controle de estoque ou quando o funcionário encarregado de monitorar as
entradas e saídas faz parte do esquema de corrupção. Diante disso, só se
justifica que uma prefeitura tenha seus próprios depósitos de combustível se os
preços praticados nos postos de gasolina instalados na cidade forem
exorbitantes ou se inexistirem locais para o abastecimento.
No caso de Ribeirão Bonito,
constatou-se que o encarregado não registrava medições nem mantinha qualquer
tipo de controle. No início, a fraude era feita com a entrega de apenas uma
parte do combustível, enquanto a outra era armazenada em uma propriedade
particular. Posteriormente, fazia-se a entrega do restante, como se fosse uma
outra carga completa, e assim era registrada pelo controlador do depósito.
Mais tarde, como se sentissem
desimpedidos para continuarem com suas ações, e como consideraram que
movimentar combustível era muito trabalhoso e oferecia riscos, os fraudadores
resolveram simplificar o método. Passaram então a entregar apenas as notas
fiscais na prefeitura. O responsável pelo almoxarifado continuou a atestar o
recebimento do combustível e a contabilidade manteve os pagamentos.
Outro artifício utilizado por
algumas administrações corruptas para tentar justificar o alto consumo de
combustível é manter veículos sucateados nos registros da prefeitura. Mesmo
inadequados para o uso, são licenciados anualmente para que façam parte dos
registros da municipalidade. Dessa forma se justifica o consumo de combustível
acima das necessidades da frota real e se encobre o desvio. No caso de Ribeirão
Bonito, o Tribunal de Contas do Estado computou os veículos “fantasmas” como
ativos, para o cálculo médio de consumo por veículo.
Promoção de festas públicas para
acobertar desvios de recursos
As festas públicas promovidas
pela prefeitura merecem uma atenção especial, pois algumas empresas de eventos,
pela própria natureza dos serviços que prestam, têm sido grandes fornecedoras
de “notas frias”. Isso se deve ao fato de ser difícil checar a veracidade dos
cachês dos artistas e da comissão que cabe aos agentes. Há ocasiões em que as
notas desses eventos são superfaturadas e parte do dinheiro volta ao prefeito e
à sua equipe.
Pagamentos com cheques sem
cruzamento
Os integrantes dos esquemas de
desvio de verbas públicas sempre procuram evitar que o dinheiro transite por
meio de depósitos bancários. Por isso, em muitos pagamentos feitos por
administrações municipais desonestas, utilizam-se cheques não cruzados, o que
desobriga o recebedor de depositá-los em uma conta bancária. Fazendo o resgate
desse tipo de papel diretamente nos caixas das agências, evita-se que a
circulação do dinheiro obtido ilegalmente deixe muitos rastros. Uma vez em
espécie, as quantias podem ser divididas mais facilmente entre os participantes
das quadrilhas e sem que se conheçam os seus destinatários finais.
Alguns optam por deixar o dinheiro
em suas casas, na forma de papel-moeda, e o utilizam para o pagamento de parte
de suas despesas. Manipulando os resultados do furto dessa forma, diminuem a
possibilidade de ser rastreados pela Receita Federal e dificultam
investigações.
Outros fraudadores preferem
transformar o dinheiro roubado em dólares obtidos no mercado paralelo, até como
forma de investimento. As notas são, geralmente, guardadas em cofres
residenciais, ou alugados de bancos. Em alguns casos, são feitos depósitos de
moeda estrangeira em contas bancárias no exterior.
Uma forma que funcionários
municipais encontraram de auxiliar nesse tipo de fraude é facilitar a retirada
de cheques da prefeitura sem o registro claro de quem o está fazendo.
Publicações oficiais
As publicações oficiais das
prefeituras em periódicos locais ou regionais também podem ser instrumentos de
fraude. O padrão de custeio de anúncios publicitários é o preço por centímetro
de coluna.
A contratação de um veículo para
publicação de anúncios oficiais precisa passar por licitação. Se esta é mal
feita (muitas vezes intencionalmente), usa-se como critério exclusivamente o
preço por centímetro de coluna, e não se faz menção ao volume total a ser
licitado. Isso deixa aberta a possibilidade de se superdimensionarem os espaços
ocupados pelo material publicado (layouts generosos, tipografia exageradamente
grande etc.).
Existem ainda revistas
especializadas em promover a publicidade de prefeitos e administrações
municipais. Isso onera os cofres públicos e deve ser encarado no mínimo com
desconfiança.
Conluio em ações judiciais
Todo órgão público é alvo de
grande número de ações judiciais, e as prefeituras não são diferentes. Por
vezes acontece de administradores inescrupulosos, em conluio com outros
interesses, causarem deliberadamente motivo para ações na aparência justas.
Depois, em conluio com os autores da ação, o prefeito e/ou seus auxiliares
simulam ou formulam acordos contrários ao interesses público. O resultado é
posteriormente partilhado entre os demandantes e os membros da administração
municipal.
Notória especialização
Por vezes, prefeitos contratam
advogados e outros profissionais com dispensa de licitação, baseados no
argumento da “notória especialização”, a despeito da existência de
profissionais internos na administração municipal. Além de nem sempre os
advogados contratados deterem a notoriedade requerida pela lei, não raro a
contratação se faz a preços demasiadamente elevados em face da tarefa a ser
cumprida. Parte do valor dos contratos pode retornar por vias transversas para
o contratante. Assim, é sempre importante vigiar se a “notória especialização”
está de fato presente e se a contratação excepcional é realmente necessária.
Declaração de renda do prefeito
Quando um prefeito tem a intenção
premeditada da apropriar-se dos bens públicos, manipula sua declaração de renda
antes mesmo de assumir o cargo. De modo a se preparar para receber valores
originários de desvio de dinheiro público, a declaração inclui uma série de
bens semoventes, como obras de arte, ouro e gado. Como alguns desses objetos
podem ser valorizados artificialmente, têm a função de “esquentar” o dinheiro e
de justificar um enriquecimento súbito.
Comprometimento de vereadores com
o esquema de corrupção
Uma forma de prefeitos corruptos
obterem apoio aos seus esquemas é buscando, de forma explícita ou sutilmente, o
comprometimento dos vereadores com o desvio de dinheiro público.
O envolvimento pode dar-se de
forma indireta, por meio de compras nos estabelecimentos comerciais do
vereador, o qual por sua vez é ameaçado pela interrupção dessas aquisições e por
isso, muitas vezes, faz vistas grossas aos atos do prefeito. Outras maneiras
que o alcaide usa para ganhar a “simpatia” de vereadores é pelo oferecimento de
uma “ajuda de custo”, pela nomeação parentes dos membros do legislativo
municipal para cargos públicos e outras práticas de suborno e nepotismo.
Há, ainda, os casos em que os
vereadores participam diretamente do esquema de corrupção, sendo recompensados
por seu silêncio com uma importância mensal “doada” pelo prefeito. Não é de
admirar, assim, que tais vereadores sejam contrários a qualquer tipo de
investigação que se proponha contra o prefeito. Qualquer apoio desses
vereadores a processos que apurem irregularidades na prefeitura (como criação
de CPIs, processos de cassação etc.) traria como conseqüência a revelação do
seu envolvimento.
Favorecimentos como
contraprestação
Uma das formas indiretas de
compensação pelo “serviço” de desvio de recursos públicos é o oferecimento de
bens e serviços para os uso particular dos administradores corruptos por parte
dos fornecedores beneficiados. Os “favores” consistem, muitas vezes, na cessão
de veículos e imóveis em cidades turísticas para serem utilizados pelo prefeito
e seus familiares, realização de obras em suas propriedades, além de presentes.
Existem casos, ainda, em que comerciantes abastecem a residência do prefeito
com produtos (como por exemplo alimentos) e incluem esse fornecimento
indiretamente na conta da prefeitura.
Algumas medidas podem ser tomadas
para se certificar de que está havendo esses tipos de favorecimento. No caso de
veículos, pode-se obter os nomes dos seus verdadeiros proprietários fazendo uma
consulta aos órgãos de trânsito, como o DETRAN. Para isso, é necessário apenas
conhecer a placa do veículo. Nunca se esquecendo de que o registro de
propriedade pode ter sido feito em nome de empresas dos fornecedores, de seus
sócios, ou de “laranjas”.
Quando se trata de construções e
reformas executadas em propriedades, uma prova cabal de irregularidades é a
demonstração de que estão sendo realizados gastos incompatíveis com os
vencimentos e subsídios dos ocupantes dos cargos públicos. Um registro
fotográfico das obras pode ser importante para a análise das despesas
realizadas.
Investigações, provas e confronto
Existem várias maneiras de dar
início às investigações para a confirmação da existência de fraudes e a
obtenção de provas. Só após iniciadas investigações é que se podem mover
processos visando responsabilizar os fraudadores. A partir desse estágio, em
que começa o confronto direto com os corruptos, é preciso mobilizar a população
contra os denunciados, que apelarão para qualquer meio no sentido de deter os
acusadores.
Formas de investigação de
empresas-fantasmas
É muito mais comum do que se
imagina a figura da empresa-fantasma, que inexiste legalmente ou de fato, e
está envolvida no processo de corrupção.
O pagamento a uma empresa
fictícia significa que o serviço ou o produto especificado não existiu,e que o
cheque emitido pela prefeitura foi diretamente para os fraudadores. A
comprovação de negócios com empresas “fantasmas” proporciona um fato
contundente e relevante que, por si só, pode levar à condenação dos corruptos.
* Com o advento da lei n° 10.628
de 24 de dezembro de 2002, a ação judicial contra prefeito municipal por
improbidade administrativa passou a ser de competência do Tribunal de Justiça
do Estado. Assim, representações pedindo a abertura de inquérito civil público
por atos de improbidade administrativa devem ser feitas diretamente ao
procurador geral de Justiça do Estado, mas nada obsta que se faça a
representação ao promotor público da comarca.
Esse tipo de fraude já é motivo
suficiente para se fazer uma representação ao Ministério Público, pedindo a
abertura de inquérito civil público, ou mesmo de ação civil pública.*
Associações constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que
tenham entre suas finalidades a proteção à ordem econômica e à livre
concorrência, podem ajuizar diretamente uma ação civil pública.
Quando, no exame das contas da
prefeitura, surgirem dúvidas sobre a participação de empresas desonestas no
esquema de corrupção, segundo os indícios citados anteriormente quanto a notas
fiscais “frias” e empresas “fantasmas”, deve-se recorrer a alguns meios de
investigação:
Junta Comercial
Verificar a existência efetiva da
empresa. Nisso, é preciso levar em conta que o fato de uma firma estar
registrada na Junta Comercial é importante, mas é insuficiente para comprovar
sua existência física ou sua idoneidade. Não há maiores dificuldades em se
registrar uma empresa, e o registro acaba por ser usado para dar aparência de
legitimidade aos negócios escusos que mantém com a prefeitura.
Caso a empresa não esteja
registrada nesse órgão, ela não existe, pois esse é um requisito obrigatório
para todos os estabelecimentos que atuem no mercado. As juntas comerciais
(estaduais ou regionais) informam sobre a existência de empresas por meio de
requerimentos feitos em suas sedes.
Em um dos casos analisados pela
AMARRIBO, os fraudadores foram tão displicentes que, durante o processo de
cassação do prefeito de Ribeirão Bonito, juntaram cópia do contrato social de
uma empresa cujo protocolo emitido pela Junta Comercial tinha data anterior à
constituição da própria firma. Isso mostra que não se deve confiar em cópias
reprográficas (xerox) de contrato social, mesmo que tenham sido autenticadas em
cartório. É essencial verificar a sua existência por meio de certidão da Junta
Comercial.
Receita Federal
Verificar se a empresa é
registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), da Receita Federal.
Mas deve-se estar atento, pois os fraudadores podem usar o número do CNPJ de
firmas que realmente existem, mas que nada têm a ver com o processo. A consulta
pode ser feita pela Internet, pelo endereço www.receita.fazenda.gov.br.
Receita Estadual
Verificar o cadastro da receita
estadual, junto à Secretaria da Fazenda estadual.
Constatação da existência física
da empresa
Tarefa essencial para checar se uma
empresa é “fantasma” consiste em verificar a sua existência física. É
necessário ir ao endereço indicado na nota fiscal e ver se a empresa está
realmente instalada no local. Depois, é preciso conferir esse endereço com
aqueles fornecidos aos outros órgãos em que a firma esteja registrada. Caso as
instalações não sejam encontradas no lugar indicado, convém averiguar com
moradores e comerciantes das imediações se a empresa esteve instalada no local.
O registro fotográfico pode servir como prova documental em um eventual
processo.
Constatação de existência física
da gráfica emissora da nota fiscal
Verificar se, de fato, existe a
gráfica que imprimiu o talonário de nota fiscal da empresa, seguindo os mesmos
procedimentos do item anterior.
Perícia nos serviços prestados
Quando se desconfia que a
prefeitura fez pagamentos superfaturados ou de notas fiscais “frias”, é
necessário solicitar ao Ministério Público a instauração de inquérito civil
público e a realização de perícias sobre os serviços prestados. Com base nos
resultados, instaura-se uma ação civil pública, visando a punição dos
responsáveis e o ressarcimento dos recursos desviados.
A perícia também pode examinar
serviços prestados e materiais empregados em obras. Pode haver, por exemplo,
notas fiscais de serviços que na realidade não foram prestados; os 350 quilos
de cabo que o empreiteiro afirmou ter gasto em uma instalação podem ser, de
fato, apenas 50 quilos. Irregularidades desse tipo também são suficientes para
se pedir ao Ministério Público instauração de inquérito e de ação civil por
improbidade administrativa.
Obtenção de provas
A obtenção de provas é
fundamental para qualquer ação contra a corrupção. É difícil iniciar qualquer
processo administrativo, judicial ou político na ausência de fatos comprobatórios.
Quanto mais veementes os indícios, mais fácil a abertura dos processos. Para
tanto, é necessário:
checar cuidadosamente as
denúncias, verificando se não consistem em meras desavenças políticas sem
fundamentos sólidos;
buscar informações nos órgãos
públicos (Junta Comercial, Receita Federal, Receita Estadual);
identificar colaboradores -
funcionários da administração municipal que não compactuam com os corruptos -,
a fim de se obterem informações sobre fraudes administrativas;
analisar transferências e
aplicações de recursos, como os provenientes do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).
Para esse caso, por exemplo, há manuais e cartilhas com informações detalhadas,
no próprio FUNDEF, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Mais informações
podem ser encontradas no endereço www.mec.gov.br/fundef.
documentar as provas, sempre que
possível, com laudos, fotos e gravações.
Mobilização popular
Após anos de abusos e impunidade,
muitas comunidades se tornaram indiferentes e alheias ao processo orçamentário
e os cidadãos foram tomados de um grande ceticismo em relação à possibilidade
de punição de políticos desonestos. Por isso, para que a sociedade se mobilize
contra a corrupção, é preciso que as pessoas sejam estimuladas e provocadas. O
começo pode ser muito difícil, pois as primeiras reações são de incredulidade.
Depois, surgem sentimentos de resignação e medo, e só mais à frente os cidadãos
se indignam e reagem à situação.
No processo de mobilização, é
fundamental que a sociedade esteja constantemente informada sobre os
acontecimentos. As notícias devem ser transmitidas pelos meios de comunicação
disponíveis, como boletins informativos, jornais, programas de rádio e, se
possível, pelas emissoras de televisão regionais e nacionais.
À medida que as fraudes vão sendo
comprovadas, devem ser divulgadas para a população, pois essas informações
desenvolvem um sentimento de repulsa ao comportamento das autoridades corruptas
e, ao mesmo tempo, estimulam a continuidade das investigações. Os cidadãos
devem ser convocados a freqüentar as sessões da Câmara Municipal e cobrar dos
vereadores providências no sentido de interromper os atos ilícitos e de punir
os culpados. É importante, também, estimular o debate organizado e promover
audiências públicas de esclarecimento à sociedade.
No entanto, deve-se evitar,
sempre, a divulgação de denúncias inconsistentes, pois isso pode desacreditar
todo o processo.
Órgãos públicos competentes para
investigar e apurar a corrupção no poder municipal devem, necessariamente, ser
envolvidos. Da lista devem fazer parte o Ministério Público através do promotor
público, o Tribunal de Contas do Estado (ou do município, quando existir), a
Câmara Municipal e, eventualmente, a Polícia Federal, a Secretaria da Fazenda,
o Ministério do Planejamento e as agências reguladoras dos setores envolvidos).
Vale, ainda, pressionar os dirigentes dos partidos políticos,e os Conselhos
Profissionais Regionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho
Regional de Medicina (CRM), o Conselho Regional de Contabilidade (CRC), entre
outros.
É também essencial despertar o
interesse do promotor público para as investigações, pois, sem o seu apoio,
tudo se torna muito mais difícil. Em cidades em que haja comprometimento do
promotor com a administração municipal, as investigações ficam prejudicadas e
dificilmente avançam. Para reverter situações como essa, deve-se pedir a
instauração de inquérito civil público, cujo arquivamento depende de manifestação
do Conselho da Procuradoria Geral de Justiça do Estado.
A melhor maneira de motivar as
autoridades judiciais no combate à corrupção é pela apresentação de fatos
comprovados e consistentes. Quando a promotoria e o judiciário se mostram
ativos na defesa do interesse público, o processo flui e atinge-se o objetivo
pretendido. Uma investigação bem feita pode levar o promotor público a requerer
o afastamento imediato do prefeito. No caso de Ribeirão Bonito, o judiciário
aceitou o pedido do promotor e os tribunais superiores confirmaram a sua
decisão.
Declarações de inocência e reação
dos denunciados
Mesmo confrontados com provas
contundentes, os corruptos sempre negam o crime. Declaram inocência com muito
cinismo e sem qualquer escrúpulo.
À medida que as denúncias vão se
acumulando e as provas surgem, os administradores desonestos e seu grupo lançam
mão de diversos métodos de reação, procurando impressionar a população e
silenciar os denunciantes. Apelam para declarações teatrais e assumem o papel
de vítimas de perseguição política. Também partem para o constrangimento, por
meio de ameaças e mesmo pelo uso de violência física.
Uma das formas usadas para abalar
a convicção de parte das pessoas é a utilização de frases e temas religiosos.
Com o intuito de provocar comiseração, os denunciados recorrem a declarações em
que invocam a justiça divina e lêem salmos e orações antes de se pronunciar a
respeito das denúncias. Essas atitudes levam muitos a ficar em dúvida, pois não
conseguem identificar nisso a operação de uma estratégia concebida
deliberadamente para confundir o público.
No caso de Ribeirão Bonito,
muitas vezes as pessoas religiosas se mostraram estremecidas diante das
palavras do prefeito, que declarava inocência apelando para imagens de cunho
religioso. Isso acontecia porque, àquela altura, a comunidade ainda não tinha
acesso às provas e aos documentos de que a AMARRIBO dispunha.
As provas, manipuladas pelos
meios de informação controlados pela autoridade municipal, não chegavam às diferentes
comunidades religiosas, as quais tendiam a esquivar-se da controvérsia que
necessariamente se instalou.
As declarações teatrais de
inocência, a posição de vítima perseguida, as ameaças claras e veladas feitas
diretamente ou por meio de emissários ou parentes, ou até mesmo a violência
física, podem constranger pessoas e reduzi-las ao silêncio.
Portanto, é importante, sempre
que possível e sem atrapalhar as investigações, apresentar as provas dos
delitos para desmascarar os fraudadores.
Alguns cuidados
Corruptos e fraudadores do erário
público são pessoas sem qualquer escrúpulo, capazes de qualquer coisa, como
forjar e destruir documentos e provas, subornar ou ameaçar testemunhas,
intimidar os oponentes, atacar a integridade dos acusadores e até mesmo atear
fogo na prefeitura, se julgarem necessário.
Deles pode esperar-se todo tipo
de bandidagem. Não se deve baixar a guarda e nem recuar, pois é isso o que eles
esperam.
O exemplo de Ribeirão Bonito
A cidade de Ribeirão Bonito viveu
uma experiência singular em sua história recente. Os Amigos Associados de
Ribeirão Bonito (AMARRIBO), organização não governamental (ONG) criada para
promover o desenvolvimento social e humano da cidade, acabou por assumir a
liderança de um processo para eliminar a corrupção no poder público municipal.
Além de desviar recursos públicos, o prefeito havia cometido inúmeros atos de
improbidade administrativa. A demonstração dos ilícitos desencadeou um
movimento de repúdio, por parte da população, a esse tipo de comportamento. A iniciativa
foi bem sucedida e culminou com o afastamento do chefe do executivo municipal.
A partir desse exemplo, movimentos semelhantes se espalharam pela região e por
numerosas cidades do Brasil.
Sem fins político-partidários, a
ONG percebeu que seus objetivos sociais conflitavam com as práticas de desvio
de recursos públicos observadas na cidade. Cidadãos e associados da AMARRIBO
consideraram que os esforços da organização seriam infrutíferos caso a
corrupção continuasse a dominar a administração pública. Depois de avaliarem
seriamente a situação, os membros da ONG entenderam que não havia outra
alternativa senão a de coibir os abusos constatados.
No caso de Ribeirão Bonito, a
eliminação da corrupção se tornou uma questão de sobrevivência, porque nada que
se pudesse fazer pela cidade seria capaz de consertar os danos causados pelo
desvio de recursos. Os atos ilícitos praticados pelo chefe do executivo se
alastravam por outros setores da prefeitura. E a desorganização generalizada
desmotivava os funcionários honestos. A máquina administrativa municipal
trabalhava para o seu próprio benefício,e não para o dos cidadãos. Diante dessa
situação, a população se sentia impotente para reagir.
A convicção comum de que todo
empenho associativo em favor da melhoria das condições de vida no município não
pode prescindir das responsabilidades do poder público, conduziu os associados
à decisão de promover o saneamento do poder público municipal, eliminando, como
pré-condição, a apropriação dos bens públicos e as formas de corrupção que
sustentam e perpetuam grupos desonestos no poder público municipal.
O processo jurídico
Em 9 de novembro de 2001, a ONG
entrou com a primeira representação junto à Promotoria de Justiça da cidade de
Ribeirão Bonito, pedindo abertura de inquérito civil público para a
investigação dos desvios de verba de merenda escolar, aquisição de
combustível,e notas “frias” de fornecimento de serviços. Cinco dias depois,
ingressou junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo com pedido de uma
auditoria especial antecipada, também para investigar os mesmos desvios.
Em 24 de janeiro de 2002, o
Tribunal de Contas emitiu relatório em que informa ter encontrado indícios de
irregularidades em parte das denúncias. Afirmava ainda que não tinha como
comprovar outras acusações, por não ter localizado alguns documentos na
prefeitura. Apesar disso, os conselheiros não tiveram a iniciativa de ouvir
ninguém - acusadores ou envolvidos.
Por ser excessivamente formal, o
Tribunal de Contas só conduz investigações se o denunciante entregar provas
evidentes de fatos relacionados a desvios orçamentários. Isso leva a questionar
seriamente a eficácia dos procedimentos desse órgão na fiscalização dos gastos
públicos.
A parte do relatório em que o
Tribunal de Contas concluía que “nada se apurou” passou a ser usado
publicamente pelo prefeito como prova de idoneidade. Contudo, a regularidade
dos procedimentos de licitações é examinada apenas formalmente pelo TCE. Não se
verifica se as firmas cadastradas ou participantes das concorrências existem
física ou juridicamente. Quanto às notas fiscais, o tribunal faz um exame
somente do ponto de vista contábil, sem perquirir sobre a existência das firmas
emitentes.
Apesar da omissão do TCE, em 4 de
abril de 2002 o promotor público da cidade ingressou com uma ação civil pública
contra o prefeito e diversos de seus assessores, solicitando o seu afastamento
imediato do cargo. O pedido foi deferido pela juíza da comarca em 8 de abril de
2002, e posteriormente mantido pelo Tribunal de Justiça.
Em 24 de abril de 2002, o
prefeito renunciou ao mandato, teve a sua prisão preventiva decretada e fugiu.
Mais tarde, acabou por ser preso no município de Chupinguaia, estado de
Rondônia.
O processo político
Logo após a abertura dos
inquéritos judiciais no Ministério Público e do procedimento administrativo
junto ao Tribunal de Contas do Estado, a AMARRIBO, com o apoio dos cidadãos e
de alguns vereadores, pediu na Câmara Municipal a instauração de uma Comissão
Especial de Investigações para apurar os fatos.
A Comissão apresentou o resultado
das investigações em 13 de março de 2002, anunciando que as denúncias eram
verdadeiras. O relatório da CEI foi aprovado em sessão da Câmara Municipal do
dia 18 de março de 2002. Com base no artigo 4° do decreto-lei n° 201/67, leu-se
denúncia de dois cidadãos, citando provas documentais das infrações
político-administrativas cometidas pelo prefeito, contidas no relatório da
Comissão. Outras provas de desvios de recursos públicos, surgidas
posteriormente e que não eram objeto da CEI, também foram levantadas. Na mesma
sessão, pediu-se a cassação do mandado do prefeito.
A Câmara Municipal acatou a
denúncia para o processo de impeachment por unanimidade, com a exclusão de dois
vereadores que, por estarem envolvidos nos desvios, não votaram. Criou-se,
então, a Comissão Processante que dirigiria o processo de cassação.
Antes da conclusão dos trabalhos
da Comissão Processante, em 24 de abril de 2002, o prefeito renunciou e logo
após fugiu, de forma a evitar a prisão preventiva que fora determinada pela
juíza da comarca. A Comissão prosseguiu seus trabalhos e acabou por julgar a
denúncia procedente, o que servirá para a aplicação das penas previstas na lei.
A cassação do mandato deixou de ser aplicável em virtude da renúncia do
prefeito, mas as demais penas, como a inelegibilidade, podem ser aplicadas.
As ONGs e o combate à corrupção
A justiça brasileira é
demasiadamente lenta. Muitas vezes, processos judiciais por improbidade
administrativa são iniciados, mas os acusados só são julgados após o
cumprimento integral de seus mandatos. Durante esse período, furtam o máximo
que podem e acumulam recursos para sua defesa futura. Quase sempre alcançam
esse objetivo, alimentando o círculo vicioso da impunidade. Esse movimento
acaba por frustrar a busca por justiça.
O processo político de cassação
do mandato pela Câmara Municipal (impeachment) se desenvolve mais rapidamente.
O mecanismo é disciplinado pelo decreto-lei n° 201/67, de âmbito federal, e
pela Lei Orgânica do Município, a qual, da mesma forma que o Regimento Interno
da Câmara de Vereadores, varia de cidade a cidade.
É indispensável aprofundar-se no
exame desses instrumentos legais, para informar o oferecimento de denúncias e
para acompanhar o processo em todos os seu trâmites legais e formais. O domínio
desses estatutos é essencial, pois, geralmente, os fraudadores contratam
advogados hábeis, que exploram os erros cometidos na formalização e tramitação
de processos, conseguindo, assim, a sua anulação.
Desse modo, é recomendável a
orientação e o acompanhamento jurídico durante o processo, o que pode ser
viabilizado mais facilmente por meio da colaboração de uma ONG. Sem a
assessoria de um advogado, a chance de anulação do processo é muito grande.
Em cidades pequenas, é comum o
prefeito cooptar a maioria dos vereadores. Quando isso ocorre, é preciso
mobilizar a sociedade para pressioná-los e alterar o curso do processo. Também
nessa questão, a ONG pode vir a ter papel fundamental, no sentido de promover a
pressão popular e mudar a história.
Em situações em que não haja
provas cabais dos desvios,,ou quando o apoio político não é suficiente para
desencadear um processo de cassação, é aconselhável que a primeira providência
seja a de propor a criação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara
Municipal, com o objetivo de apurar os fatos merecedores de investigação. Essa
comissão investiga as fraudes e posteriormente, com base em suas conclusões,
pode propor o impeachment do prefeito.
É preciso atentar para a formação
da Comissão Processante que dirigirá o processo de cassação. Se a equipe for
subserviente ao prefeito, dificilmente encontrará fraudes, e, ainda, passará
atestado de idoneidade ao corrupto. Aí, novamente, é importante a pressão de
uma ONG e da sociedade para evitar a constituição de uma de faz-de-conta, que
acaba por nada apurar.
Deve-se observar que um vereador,
ao apresentar a denúncia, fica impedido de votar na Comissão. E, no caso de ser
também acusado de fraudes, não pode votar no processo. As regras para solicitar
o seu impedimento e a convocação dos suplentes variam de acordo com o regimento
de cada Câmara Municipal.
Qualquer eleitor pode entrar com
denúncia na Câmara Municipal pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito para apurar atos de corrupção ou de improbidade administrativa.
Também tem o direito de formalizar a denúncia para a cassação do mandato. As
formalidades essenciais estão no decreto-lei 201/67 e os detalhes podem variar
em cada município. No confronto entre o decreto-lei e a legislação municipal, o
código federal tem precedência.
Organização das ações da ONG
Como em qualquer processo de
gestão, é importante que a comunidade, por meio de uma ONG ou de lideranças
organizadas, estabeleça responsabilidades e funções, como, por exemplo:
quem fará um levantamento de
todos os recursos a serem mobilizados junto à população: associações de bairro,
de moradores, entidades de classe etc.;
quem estimulará a formação de
grupos de apoio através de outras entidades;
quem redigirá os boletins
informativos e quem cuidará de sua distribuição;
quem mobilizará as vilas no
corpo-a-corpo;
quem será o interlocutor com a
Câmara Municipal;
quem falará com a imprensa;
O processos de coordenação
central e comunicação precisam ser conduzidos por um grupo reduzido,
perfeitamente afinado, e conectado on-line. A cada passo, sempre deverão ser
tomadas providências urgentes com o objetivo de:
rebater imediatamente os boatos
lançados pelos investigados e acusados;
não cair no jogo do inimigo, que
tentará desqualificar os membros do grupo acusador, espalhando boatos e
tentando criar fatos que os desqualifiquem;
insistir sempre no objetivo das
denúncias, pois a todo instante os corruptos tentarão desviar a atenção para
outros temas e para outras gestões. Para isso, argumentam que tudo sempre foi
igual, buscando qualificar as denúncias como uma iniciativa
político-partidária. Tentarão representar o papel de vítimas da perseguição de
grupos de poderosos ou de injustiçados pela população. É preciso, porém, não se
deixar levar por discussões, pois desviar o assunto é técnica diversionista.
formar caixa para custear as
despesas necessárias;
intervir sempre que o grupo
apresentar algum tipo de desentendimento e focar os esforços sempre no objetivo
maior para superar as divergências internas.
A participação em um processo
político de cassação pressupõe que os participantes tenham claros os objetivos
finais e uma direção bem definida. Durante o percurso, é comum surgirem
situações complexas, divergências pessoais e suscetibilidades feridas, que
podem comprometer a coesão do grupo. É urgente aparar as arestas, aproveitar os
aspectos positivos de cada um e superar diferenças, a fim de manter a união e
atingir a meta.
Em qualquer grupo ocorrem
discordâncias, além de egoísmos e vaidades. Há pessoas mais, ou menos,
suscetíveis. Ao se formar um conjunto de pessoas, é importante saber disso de
antemão e se preparar para resolver as diferenças, aproveitando os aspectos
positivos de cada membro. De nada adianta desanimar-se com os atritos que
acontecem, pois são comuns a quaisquer grupos de pessoas.
É conveniente que as eventuais
críticas não sejam feitas às pessoas, mas às suas ações. Críticas feitas
diretamente à personalidade dos indivíduos tornam-se obstáculos difíceis de
superar, na medida em que esse tipo de julgamento pode dificultar a convivência
e provocar a desagregação. O processo deve ser conduzido com energia,
cooperação, paciência e aceitação mútua, visando os objetivos sociais que unem
o grupo.
O recurso a leis e órgãos
Um grande conjunto de leis e
normas dá respaldo às ações anti-corrupção. Há também uma série de órgãos aos
quais se pode recorrer desde as investigações até o final do processo.
Tribunal de Contas do Estado
Apesar de o Tribunal de Contas se
ater mais aos aspectos formais dos procedimentos e da documentação quando
examina as contas dos prefeitos e das Câmaras Municipais, é importante que, por
meio de representação, se faça a denúncia a esse órgão. Algumas análises
comparativas e partes do relatório que realizam podem vir a ser instrumentos
importantes no decorrer do processo. Eles podem ser usados em eventuais pedidos
de abertura de Comissão Especial de Investigação ou de Comissão Processante,
meios utilizados para pedir o afastamento político do autoridade municipal
corrupta.
Mas é preciso saber lidar com os
relatórios do Tribunal de Contas, que podem levar a interpretações dúbias.
Assim, quando o Tribunal afirma que “nada se apurou”, normalmente é porque não
investigou ou nada encontrou. E quando diz que “não se comprovou a denúncia”,
isso não significa que os fatos foram examinados e os acusados inocentados, mas
que o denunciante não apresentou provas consistentes e convincentes. Geralmente
esses “resultados” são usados pelos fraudadores como atestado de idoneidade.
Ministério Público Estadual -
Promotoria de Justiça da comarca
Em caso de suspeita fundamentada
e de indícios consistentes, a Promotoria de Justiça é o primeiro órgão ao qual
devem ser dirigidas as denúncias, formuladas por meio de representação. Caso
julgue a denúncia fundamentada, a Promotoria geralmente abre inquérito civil
público para investigar os fatos. Com a abertura desse inquérito, o promotor
passa a contar com uma série de facilidades para investigar as fraudes. Uma vez
comprovadas, inicia-se uma ação civil pública por improbidade administrativa e
ações criminais, quando for o caso.
Câmara Municipal
Qualquer cidadão pode fazer uma
denúncia. Dependendo da relevância das provas existentes, pode-se solicitar a
abertura de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para apurar fatos que
impliquem atos de improbidade administrativa ou de desvio de recursos públicos.
Se os fatos abrem a oportunidade de cassação do mandato do prefeito, deve-se pedir
a formação de uma Comissão Processante, em que serão feitos a denúncia e o
pedido de cassação. Para isso, é preciso observar a lei orgânica do município,
o regimento interno da Câmara Municipal e o decreto-lei 201/67 para os
procedimentos a serem seguidos.
Procuradoria Geral da República
Muitos delitos cometidos no
âmbito municipal, por envolverem repasses de verbas da União, são da alçada da
Justiça Federal. Assim, o Ministério Público Federal também pode ser acionado
para investigar fatos que estejam em sua esfera de competência.
O acionamento do MPF é importante
também porque, às vezes, o Ministério Público Estadual não age com a mesma
presteza e desenvoltura apresentadas pela instância federal.
A Procuradoria Geral da República
dispõe de um sítio na Internet (www.pgr.mpf.gov.br ) no qual se podem fazer
denúncias, inclusive anônimas. Fornece os endereços das Procuradorias Regionais
e os nomes e endereços dos procuradores nos estados.
Secretaria da Receita Federal
Os fraudadores, em geral, são
afetados por problemas com o imposto de renda, pois não têm como justificar a
sua variação patrimonial e seu enriquecimento súbito. É importante que a
Receita Federal investigue a situação desses indivíduos, porque, uma vez
comprovadas as irregularidades, elas servem de prova nos processos político e
judicial. Além disso, se a Receita verificar que há impostos devidos, os
corruptos ficam sujeitos à acusação de sonegação fiscal, o que representa uma
arma adicional contra eles.
Imprensa
Procure os órgãos de imprensa sérios
e comprometidos com a moralidade. Informe-os sobre as fraudes, principalmente
quando estiver munido de documentos. Denúncias divulgadas pela mídia motivam as
autoridades a tomarem providências e mobilizam a população contra os
fraudadores.
A legislação básica nacional
Decreto-lei 201, de 27 de
fevereiro de 1967. Dispõe sobre Crimes de Responsabilidade de Prefeitos e
Vereadores.
Lei n° 7.374, de 24 de julho de
1985, Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992 , Medida Provisória n° 2.225, de 4
de setembro de 2001. Disciplinam a Ação Civil Pública -Dispõem sobre as sanções
aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, etc...
Lei Complementar n° 101, 4 de
maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal.
Lei 8666, de 21 de junho de 1993.
Lei das Licitações.
Lei Complementar n° 64, de 18 de
maio de 1990. Estabelece os casos de inelegibilidade.
Lei n° 9.424, de 24 de dezembro
de 1996. Lei do Fundef.
Lei Complementar n° 75, de 20 de
maio de 1993. Organização, Atribuições e o Estatuto do Ministério Público da
União.
Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro
de 1993. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Lei Complementar 734, de 26 de
novembro de 1993. Lei Orgânica do Ministério Público Estadual de São Paulo.
Legislação subsidiária: Lei
1.079, de 10 de abril de 1950. Define os Crime de Responsabilidade e regula o
processo de julgamento do Presidente da República e os Ministros.
Legislação básica municipal: Lei
Orgânica do Município, Regimento Interno da Câmara Municipal. Embora apresentem
diferenças, de acordo com cada município, as leis orgânicas e os regimentos
internos seguem, em geral, princípios comuns.
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